segunda-feira, 4 de julho de 2011

Trechos deliciosos, livros incríveis.





Fahrenheit 451


O livro é uma viagem! Ele se passa no futuro, mas o autor teve a consciência de não especificar o ano, assim, sempre parece que é algo ainda a acontecer... E olha que faz uma cotinha que ele foi escrito (1953). Ele trata uma era que os livros foram proibidos e a TV veio para ficar nas casas, os imóveis são a prova de fogo e por isso mesmo a profissão de bombeiros toma um rumo no mínimo curioso: o de incendiar os poucos livros (e rebeldes) que resistiram a era tecnológica.


Sim, os livros foram proibidos, mas mesmo que não fosse, essa seria a ordem natural da população. Descartá-los frente a uma opção mais rápida que são as mídias. Tudo trabalha para que a sociedade pense cada vez menos e tenha cada vez mais pão e circo...


O que impressiona na obra é a proximidade com nossa década, a geração Y em que a internet tornou tudo mais rápido, fácil e... Estéril.


Engraçado pensar em futuro e em comodidade. Queremos igualdade, os preconceitos, homofobias e racismos são duramente combatidos, só que fico aqui a me perguntar: sem conflito a gente não se torna meio que hipócrita?


Tipo assim, pelo amor de Deus que odeio preconceito! Cada um deve viver como quiser, deve pensar o que quiser e não tem que rechaçar o outro de jeito nenhum...porém, isso não pode impedir tua liberdade entende? Também não... há, há, há


O livro é distópico, ou seja, é uma utopia só que para o negativo, uma utopia de um mundo mau em que ninguém mais se choca com nada, nem uma verdade te convence... Gosto de ter os meus incômodos e ficar triste e irritada e acho que isso faz parte da busca do homem...os livros são isso! Não dá pra viver tudo de todo lugar e eu nem quero isso, mas dá pra viver isso na literatura, sem ter que subir na montanha de verdade, ou melhor: vivo tudo lá e escolho o que quero fazer na realidade.


Mas a TV já traz tudo mastigado... seu conceito de beleza e sexualidade passa a ser o conceito de beleza de um grupo e minha imaginação (que é foda) fica lá, a ver navios.


Trago um trecho do livro pra te dar essa fome de saber mais sobre esse mundo de ficção científica...


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— Todo o bombeiro, mais cedo ou mais tarde passa por isso. Eles só precisam compreender como a roda gira... Basta conhecer a história da nossa profissão. Agora já não explicam aos novos, como dantes. É pena — baforada — Hoje, apenas os chefes se lembram — baforada — vou-te pôr a par.
Mildred mexeu-se, pouco à vontade.
Beatty deixou passar um bom minuto, refletindo no que ia dizer.
— Você pergunta: quando começou o nosso trabalho, como e onde? Pois bem, na realidade o ponto de partida remonta à época chamada Guerra Civil. Embora no texto do nosso regulamento a data seja anterior. O fato é que não tínhamos nenhum papel a representar antes da aparição da fotografia. Depois, veio o cinema... no princípio do século xx. Depois a rádio. A televisão. O elemento massas entrou então em cena.
Montag continuava imóvel, sentado na cama.
— E esse elemento de massas veio simplificar os problemas — continuou Beatty. — Primeiro, os livros apenas interessavam minorias, aqui e ali. Podiam se dar ao luxom de ser diferentes. O mundo era vasto. Depois o mundo encheu-se de olhos, de cotovelos, de bocas. A população dobrou, triplicou, quadruplicou. Os filmes e a rádio, os magazines, os livros, foram nivelados, está me acompanhando?
— Acho que sim.
— Imagine o quadro. O homem do século XIX, com os seus cavalos, os seus cães, os seus trens; lentidão do movimento. Depois a aceleração, a câmara. Os livros resumidos. As condensações, os resumos, tablóides; tudo subordinado a gags, ao final emocionante.
— O final emocionante — disse Mildred, aprovando com a cabeça.
— Os clássicos reduzidos para compor emissões de rádio em 15 minutos, depois resumidos novamente para uma coluna de livro de dois minutos de leitura, enfim, arranjados para um verbete ne dicionário de dez a doze linhas. Estou a exagerarando um pouco, é claro. Os dicionários serviam apenas de referência. Mas para muita gente, Hamlet, crtamente você conhece, Montag, provavelmente a senhora talvez os tivesse ouvido apenas citar, Hamlet era apenas um resumo de uma página, num livro que declarava: "Finalmente, todos os clássicos ao seu alcance; faça igual ao do seu vizinho." Está vendo o que quero dizer? Da sala das crianças ao colégio e do colégio à sala das crianças. Eis o traçado da curva intelectual para os últimos cinco séculos.
Mildred ergueu-se e começou a arrumar a sala. Beatty pareceu não notar a sua atividade e continuou:
— Acelera mais o filme, Montag. clique, fotografe, olhe, observe, rápido, aqui, ali, em cima, em baixo, dentro, fora, porquê, como, quem, o quê, onde, hem? Olá! Bang! Smac! Upa, Bing, Bong, Bum! Resumos de resumos. Resumo de resumo de resumos. A política? Uma coluna, duas frases, uma manchete! Depois no ar tudo se dissolve! A mente humana gira num tal ritmo sob as mãos dos editores, dos produtores, dos apresentadores que a força centrífuga elimina todo pensamento desnecessário, desperdiçador de tempo!
Mildred endireitava os lençóis. Montag sentiu o coração aos saltos enquanto ela mexia no travesseiro.
— As aulas tornam-se mais curtas, a disciplina é relaxada, a Filosofia, a História, as línguas abandonadas, o inglês e a sua pronúncia abastardados pouco a pouco e, finalmente, quase ignorados.
Vive-se no imediato. Apenas conta o trabalho e, após o trabalho, a dificuldade da escolha de uma distração. Para quê aprender qualquer coisa, além de carregar botões, ligar comutadores, enroscar para fusos e porcas?
— Deixa-me arranjar o teu travesseiro — disse Mildred.
— Não — murmurou Montag.
— O zíper substitui o botão, pois o homem não tem tempo para refletir nem para se vestir, de manhã Não há hora de filosofia, nem hora de melancolia.
— Aqui —disse Mildred.
— Sai! — gritou Montag.
— A vida torna-se uma imenso tobogã, Montag; Vlan! Puf e uau!
— uau! — disse Mildred, puxando o travesseiro aos safanões.
— Pelo amor de Deus, me deixa em paz! — gritou Montag ferozmente.
Beatty abriu muito os olhos.
A mão de Mildred tinha estacado, atrás do travesseiro. Com a ponta dos dedos, apalpou o contorno do livro e, tendo-lhe reconhecido a forma, ficou com um ar surpreendido, depois aturdido. A boca abriu-se-lhe, para fazer uma pergunta...
— Tira tudo ods teatros, exeto os palhaços e instalar nas salas com paredes de vidro e fazer passar lindas cores nelas, como confetti, sangue, Sherry ou Sauternes. Gosta de basebol não gosta Montag?
—É um bom esporte.
Beatty estava agora quase invisível. A sua voz emergia por entre a tela de fumaça.
— Que é isto? — perguntou Mildred, quase com prazer.
Montag voltou-se, apoiado nos braços.
— Isto aqui, o que é? — repetiu ela.
— Vai sentar, mulher! — uivou Montag. Ela saltou para trás, as mãos vazias — estamos conversando.
Beatty continuou, como se nada tivesse acontecido:
— Gostas do boliche não gosta Montag?
— O boliche, Claro.
— E do golfe?
— O golfe é um bom esporte.
— Basquete?
— Um excelente esporte.
— Bilhar? futebol?
— Todos esses jogos e esportes são perfeitos.
— Mais esportes para todos, espirito de equipe, diversão e o desejo de pensar é eliminado, não? Organizem, organizem, superorganizem superesportes. Multipliquem as ilustrações dos livros,mais figuras. A mente bebe cada vez menos. Impaciência. Alto-estradas percorridas por multidões que estão aqui, ali, em todos lugar e em parte alguma. Os refugiados do volante. As cidades transformam-se em albergues de automobilistas; os homens deslocam-se como nômadas seguindo as fases da Lua, dormindo esta noite no quarto em que você dormiu hoje e eu ontem.
Mildred saiu do quarto batendo com a porta. As "tias" da sala começaram a rir e a conversar com os "tios".
— Agora, vejamos as minorias na nossa civilização; estás de acordo? Quanto maior é a população, mais numerosas são as minorias. É preciso cuidado para não pisar os amigos dos cães, os amigos dos gatos, os médicos, os advogados, os comerciantes, os patrões, os Mormons, os Batistas, os Unitários, os Chineses de segunda geração, os Suecos, os Italianos, os Alemães, a gente do Texas ou de Brooklin, os Irlandeses, os habitantes do Oregon ou do México. As personagens apresentadas neste livro, aquela peça ou aquela outra emissão de televisão, não têm a mínima semelhança com pintores, cartógrafos ou engenheiros reais. Quanto maior é o mercado, menos você controla a controvérsia, Montag, lembra disto! Todas as minorias com o seu umbigo bem limpo. Autores cheios de maus pensamentos, fechem as máquinas de escrever. E eles fízeram.
As revistas tornaram-se numa amável mistura de tapioca e baunilha e os livros, segundo esses danados snobes dos críticos, eram água de lavar a louça. Não é de admirar que os livros deixem de se vender, diziam os críticos. Mas o público, sabendo o que queria, reagiu sem medo e deixou sobreviver os quarinhos. E as revistas eróticas em 3D, naturalmente. E, vê bem, Montag, o Governo nada teve que ver com isto. Nem um decreto, uma declaração ou censura, ao princípio. Não! A tecnologia, a exploração
do factor massa, a pressão exercida sobre as minorias e, aí estamos, a coisa estava lançada. Hoje, graças a eles, vives num optimismo permanente, tens o direito de ler os comias, as boas velhas confissões, ou os jornais corporativos.
— E depois? — perguntou Montag. — Mas que fazem os bombeiros no meio de tudo isso?
— Ah! — Beatty inclinou-se para a frente, no meio do nevoeiro de fumaça que o rodeava. — Nada mais simples, nada mais fácil de explicar. Formando os estabelecimentos de ensino cada vez mais corredores, saltadores, oportunistas, intrujões, pilotos, nadadores e assim sucessivamente, em vez de professores, críticos, sábios, artistas, a palavra "intelectual" tornou-se, bem entendido, a injúria que merecia ser. Tem-se sempre medo do insólito; lembras-te certamente do garoto que, na tua aula, sabia
sempre a lição, que se punha sempre à frente para responder enquanto os outros, sentados como ídolos de chumbo, o odiavam. Não era esse brilhante indivíduo que vocês escolhiam sempre para espancar e troçar, depois das horas de estudo? Claro que era. Devemos ser todos parecidos uns com os outros.
Ninguém nasce livre e igual aos outros, como diz a Constituição, mas cada um é modelado conforme os outros; todo o homem é a imagem do seu semelhante e, assim, toda a gente fica satisfeita. Já não existem montanhas para esmagar os vizinhos e provocar comparações. Ora! Um homem tem uma espingarda carregada na casa ao lado.Queime-a.
Descarreguemos a arma. Abatamos o espírito humano. Quem poderá dizer qual será o alvo do homem que tem lido muito? Eu? Não suportarei ser isto nem um minuto. Assim, quando as casas se tornaram enfim totalmente ignífugas no mundo inteiro (a sua suposição era justa, na noite passada), os bombeiros tornaram-se inúteis do ponto de vista tradicional. Foi, portanto, atribuída uma nova tarefa, a proteção da paz de espírito, a eliminação de nosso compreensível e ligítimos sentimento de inferioridade, tão compreensível como temível entre os homens; censores oficiais, juizes e carrascos. Eis a nossa tarefa, Montag, o teu e o meu.
Beatty esvaziou com pequenas pancadas o fornilho do seu cachimbo na mão, e estudou as cinzas como se procurasse um diagnóstico, a explicação de um símbolo.
— Deves compreender que a nossa civilização é tão vasta que não nos podemos permitir inquietar ou incomodar as nossas minorias. Faz a pergunta a você mesmo. Que procuramos nós, acima de tudo, neste país? As pessoas querem ser felizes, não acha? Não ouviu isso a vida toda?
"Quero ser feliz", declara cada um. E, bem, são eles felizes? Não velamos para que estejam sempre em movimento, sempre distraídos? Não vivemos senão para isso, não é a tua opinião? Para o prazer, para a excitação? E deves concordar que a nossa civilização fornece um e outra à saciedade.
— Sim.
— Os negros não gostam de Uttk Black Sambo. Queimem-o A. Cabana do Pai Tomás não agrada aos brancos. Queime-o. Um tipo escreveu um livro sobre o tabaco e o cancro do pulmão? Os fumantes ficam consternados. Queime o livro. A serenidade, Montag, a paz, Montag. Liquidemos os problemas, ou melhor ainda, lancem no incinerador; os enterros são tristes e pagãos? Eliminem igualmente. Cinco minutos após a morte, todo o indivíduo vai a caminho do Grande Crematório, por meio dos Incineradores servidos por helicóptero em todo o país. Dez minutos após a morte, o homem nada mais é do que um grão de poeira negra. Esqueçam-nos. Queimem-nos, queimemos tudo.O fogo é brilhante, o fogo é limpo.
— Havia uma garota aqui ao lado — disse Montag, lentamente. — ela não está mais aí. Morreu eu acho. Nem sequer lembro do seu rosto. Mas ela era diferente. Como explica isto?
Beatty sorriu:
— São casos inevitáveis, aqui ou em qualquer parte. Clarisse McClellan? Temos um dossier sobre a família. Tinhamos estreitamente vigiados. A hereditariedade e o meio são elementos curiosos. Não podemos desembaraçar todas as ovelhas ronhosas em poucos anos. O ambiente familiar pode minar o ensino escolar. Foi por essa razão que baixamos progressivamente a idade do jardim de infância e vamos agora buscar as crianças praticamente ao berço. Tivemos alguns falsos alarmes para os McClellan quando eles moravam em Chicago. Mas nunca encontramos um livro. O tio tinha uma ficha bem carregada: anti—social. A garota? Uma bomba de explosão retardada. A família tinha-lhe deformado o subconsciente, sem dúvida alguma. Notei ao consultar os seus boletins de escola. Não queria sabere como, mas o porquê das coisas. O que pode ser muito incômodo. A gente interroga-se sobre o porquê das coisas e, se se insiste, podemo-nos tornar muito infelizes. A pobrezinha está morta, e foi o melhor que lhe podia ter acontecido.
— Sim, morta.
— Felizmente, os anormais da sua espécie são muito raros. Sabemos como abafá-los no ovo, agora. Não se pode construir uma casa sem tábuas nem pregos. Se não se quer que a casa seja construída, escondamos as tábuas e os pregos. Se não se deseja que um homem ponha problemas de ordem política, não dê duas soluções à escolha; dê-lhe só uma ou, melhor, não lhe dê nenhuma. Que ele esqueça até a existência da guerra. Se o Governo é ineficaz, tirânico, se esmaga com impostos, pouco importa, desde que as pessoas não saibam nada. A paz, Montag. Instituam-se concursos cujos prêmios obriguem a decorar, a encher a memória com letras de canções em voga, com nomes de capitais de Estado ou com o número de quintais de milho colhidos no último ano.Encham os homens de informações inofensivas, incombustíveis, que eles se sintam a rebentar de "fatos", informados acerca de tudo. Em seguida, eles imaginarão que pensam e terão o sentimento do movimento, enquanto realmente apenas se arrastam. Serão felizes, porque os conhecimentos deste gênero são imutáveis. Não os levem para terrenos escorregadios como a filosofia ou a sociologia, em que tenham de confrontar a sua experiência. É a fonte de todos os tormentos. Todo o homem capaz de desmontar um esquema eletrico de televisão e de o tornar a montar —e, hoje, quase todos eles são capazes — é bem mais feliz que aquele que tenta medir, experimentar, pôr em equação o Universo, o que não pode ser feito sem que o homem tome consciência da sua inferioridade e da sua solidão. Eu sei-o. Experimentei. Ao inferno com isso! Conclusão: agarremo-nos aos clubes, às reuniões, aos acrobatas, aos prestidigitadores, quebra-cabeças, carros a reacção, motogiro-planos, ao sexo e à heroína, tudo o que não obrigue senão a reflexos automáticos. Se a peça é má, se o filme não tem sentido, tomemos uma dose maciça de teremina. Conidero sensível ao espectáculo desde que se trate apenas de uma reação tátil às vibrações. Mas estou nas tintas e tudo o que desejo é um sólido passatempo. — Beatty levantou-se. — Tenho de me ir embora. A conferência está terminada. Espero ter esclarecido as coisas.
O importante para ti, Montag, é lembrar que somos alegres foliões. EU, você e os outros. Fazemos frente à maré daqueles que querem mergulhar o mundo na desolação, suscitando o conflito entre a teoria e o pensamento. Agüentemos. Não deixemos a torrente de melancolia e da triste filosofia afogar o nosso mundo. Contamos contigo. Não creio que dês conta da tua importância, da nossa importância para proteger o optimismo do nosso mundo atual.
Beatty apertou a mão mole de Montag. Montag continuava sentado na cama, paralisado, como se a casa estivesse quase a cair-lhe em cima.
— Uma última palavra — disse Beatty. — Pelo menos uma vez na sua carreira, todo o bombeiro é atraído pela idéia de saber o que contam os livros. Oh! Este desejo de nos cocarmos, liem! Pois bem, Montag, acredita-me: li alguns, ao princípio, para saber de que se tratava... os livros não contam nada. Nada em que tu possas crer ou ensinar aos outros. Se são romances, falam de seres que não existem, de produtos da imaginação. No caso contrário, é ainda pior. Cada professor trata o outro de idiota, cada filósofo tenta gritar mais alto que o seu adversário. Correm em todos os sentidos, obscurecendo as estrelas, extinguindo o Sol. Sai-se daí completamente perdido. Agora suponhamos que um bombeiro, por acidente, sem idéia preconcebida, leva um livro para casa.
Montag reprimiu um ligeiro sobressalto. A porta aberta olhava-o com o seu grande olho vazio.
— Erro bem natural. A curiosidade, simplesmente — continuou Beatty. — Não nos inquietamos com isso. Deixamos o livro àquele que o arranjou, durante vinte e quatro horas. Em seguida, se ele mesmo não o queimou, vimos nós queimá-lo por ele.
— Perfeitamente — disse Montag, com a boca seca
(...)


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